Aos 111 anos, rezadeira de Santo Antônio de Jesus segue benzendo quem busca cura através da fé

Foto: Thiago Rosarii/Divulgação

Em meio a uma área de difícil acesso na zona rural de Santo Antônio de Jesus, uma casa simples guarda um símbolo de uma tradição secular do sincretismo religioso no país. Aos 111 anos, Maria do Espírito Santo ou Dona Quinha, como é conhecida, segue em atividade, rezando e benzendo aqueles que a procuram para se curarem através da fé.

Natural da região, Dona Quinha nunca teve acesso aos estudos e sempre trabalhou na roça, plantando e cuidando dos animais com os pais. Começou a fazer as rezas ainda menina, por volta dos 8 anos de idade, tendo como principal referência a mãe, Apolinária, que também benzia moradores das redondezas. Com o passar dos anos, os dons de Dona Quinha começaram a ganhar fama em Santo Antônio de Jesus, atraindo gente de cidades vizinhas.

Apesar da idade e de todas as dificuldades inevitáveis com o passar do tempo, a rezadeira continua comprometida com sua fé e vocação, atendendo a quem a procura em casa, de terça-feira a domingo. Às segundas-feiras, ela descansa. Nada mais justo para que as energias possam ser recuperadas depois de tanto trabalho.

Dona Quinha também não costuma atender se chega muita gente junta. Prefere rezar com seu ramo em paz e sem muita interferência. Quem deseja receber as preces do jeito correto deve ter disponibilidade para voltar à casa de Quinha pelo menos três vezes em dias diferentes, como explica seu sobrinho de consideração, Manuel de Jesus, 33 anos.

A rezadeira não teve filhos e mora com o sobrinho, além de Valdelino de Jesus, que é pai de Manuel, e a esposa. São eles que ajudam Dona Quinha no dia a dia, especialmente por conta da dificuldade de locomoção que enfrenta. “Ela não anda mais sozinha, então minha mãe tem que pegá-la pelo braço. Na hora da reza, ela fica sentadinha”, conta Manuel. Mesmo sem parentes de sangue, Quinha possui 32 afilhados.

Os três presenciam as preces que Dona Quinha faz diariamente com seu ramo de folhas e contam que, quando a energia da pessoa que vai em busca da cura está muito pesada, todos da casa sentem. “Quando ela reza gente muito carregada, ela fica meio banzeira e sem querer comer. A gente também sente quando ela diz ‘aquele ali está muito pesado’”, conta Valdelino. São nessas ocasiões que as folhas murcham durante a reza.

Há três décadas, quando Dona Quinha já tinha seus 80 anos, ainda estava na ativa e trabalhava na roça. Foi quando Valdelino fez o pedido para que a mãe de consideração parasse os trabalhos e ficasse com as orações. “Chegou o tempo que eu disse a ela ‘Tia, não vai trabalhar mais não’. Porque eu saía cedo e ela saía para ganhar o dia também. Aí eu falei para ela que, com o que eu ganho, dá para a gente viver, só assim ela parou”, relata.

Para quem não conhece a senhora, pode parecer loucura a disposição que ela possuía já com oito décadas de vida e que até hoje sustenta quando faz as rezas. Mas, para os mais próximos, a saúde de ferro de Dona Quinha tem motivação clara: um presente divino.

“Foi o dom que Deus deu para que ela pudesse ajudar todos nós. Porque aqui, os vizinhos da gente com 80 anos já foram embora e ela continua forte”, diz Valdelino.

Registros
O dom de Dona Quinha de curar as pessoas pela fé deixou de ser conhecido somente na região e viralizou nas redes sociais quando o fotógrafo baiano Thiago Rosarii, 27, publicou imagens da rezadeira no Instagram. Thiago, que é natural de Sapeaçu, cidade próxima onde vive Dona Quinha, já vinha fazendo registros e contando histórias de pessoas negras.

Ele soube da história de Quinha através de Luciana Rocha, mais conhecida como Dona Fia, 54, que é proprietária da fazenda Canto dos Pássaros, vizinha à zona rural onde a rezadeira vive. “Ela [Luciana] percebeu a oportunidade de me chamar e apresentar essa senhora para que eu fizesse as fotos e mostrasse ao público”, conta o fotógrafo.

Foi então que, em abril deste ano, Thiago foi até a casa de Dona Quinha. Chegando lá, a conexão foi imediata. Por também ter nascido e crescido em uma zona rural, o fotógrafo conta que se identificou com a história de vida da rezadeira e de sua família.

“O fato de eu ter crescido no mesmo ambiente de terra de Dona Quinha, percebi que a realidade dela é muito parecida com o que eu vivi a maior parte da minha vida. Automaticamente eu identifiquei, em Dona Quinha, a minha vó. Uma pessoa que passou por uma série de dificuldades na juventude e que conseguiu chegar hoje com saúde”, conta.

A simplicidade da moradia de Dona Quinha e vitalidade mesmo com a idade avançada chamaram a atenção não só do fotógrafo, mas também de seus seguidores nas redes sociais.

“Muitas pessoas hoje têm acesso a coisas de maior qualidade e não conseguem chegar à longevidade que ela chegou. Então, para mim, ela é a maior representação de que a simplicidade é o melhor caminho para se viver”, afirma.

Dona Fia, dona da fazenda vizinha, também se surpreende com o jeito que Dona Quinha leva a vida aos 111 anos. “A casa dela é muito humilde, ela usa fogão a lenha e o telhado é tão baixinho que a gente precisa abaixar. Mas, mesmo com a simplicidade, ela é muito alegre e feliz”, conta

Em novembro do ano passado, a rezadeira foi homenageada pela Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus com a Medalha do poeta simbolista Pedro Kilkerry. O símbolo destaca pessoas que desempenham papel relevante no fomento da cultura da cidade.

Informações do Correio

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