À medida que novos estudos vêm sendo desenvolvidos, mais mulheres têm optado pelo parto natural, que é realizado sem qualquer intervenção médica, como a aplicação de anestesia, analgésicos ou medicamentos para intensificar as contrações. “O parto normal vem sendo permeado de procedimentos invasivos que, muitas vezes, são realizados sem o consentimento da gestante”, explica a enfermeira Allana Santos. A hora do parto, como um momento único e cheio de significados, foi o que motivou a então estudante de Enfermagem da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) a pesquisar a “Humanização e Espiritualidade no parto”, em seu trabalho de conclusão de curso (TCC).
O parto natural, também conhecido como humanizado, se difere do parto normal porque ocorre sem intervenção médica. “No parto humanizado, é a mulher quem toma a maior parte das decisões sobre o que vai acontecer. É uma nova perspectiva para sua autonomia em relação ao corpo e à sua identidade, o poder das escolhas que podem ser entendidas como diminuição de interferências e medicalização no parto”, define a pesquisadora. Segundo ela, essa é uma tendência no Sistema de Saúde, para oferecer uma melhor experiência tanto para a gestante quanto para o bebê.
Mas como a espiritualidade entra nessa história? O objetivo da pesquisa foi compreender a concepção da humanização e, também, da espiritualidade na assistência ao parto. Para isso, contou com uma amostragem de cerca de 90 artigos científicos da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) dos últimos quatro anos.
A professora Ivone Nery, do Departamento de Saúde 2, orientadora do trabalho, explica que o conceito de espiritualidade difere do de religião. Nessa perspectiva, a espiritualidade transcende pois trata-se da experiência de contato com uma dimensão que vai além das realidades consideradas normais na vida humana.“Lembrando o escritor Leonardo Boff, [espiritualidade] é a arte e o saber de tornar o viver orientado e impregnado pela vivência da transcendência”, complementa.
Apesar de ser uma experiência individual, as pesquisadoras defendem que a espiritualidade tem um importante significado social, uma vez que transforma a percepção da vida, ressignificando-a e gerando novas condutas. A espiritualidade pode, portanto, ser desenvolvida fora da vida religiosa, por meio da arte, da experiência amorosa intensa, na dinâmica da vida, com um abraço, uma palavra de encorajamento, o ato de segurar a mão, entre outras maneiras de carinho e afeto.
Allana salienta que a proposta de humanização e espiritualidade da assistência ao parto vem oferecer à mulher a possibilidade de atuar como protagonista, na vivência desse acontecimento. “Fazendo com que o parto deixe de ser um evento meramente biológico e seja uma experiência humana, espiritual, que deve ser experimentada de acordo com suas expectativas”, acrescenta a responsável pelo estudo.
Na evolução do processo de cuidar no trabalho de parto, até o século 17, o parto era considerado um assunto de mulheres, resolvido de maneira caseira, com a presença de uma parteira experiente e, geralmente, a mãe da parturiente. A presença dos médicos acontecia somente se houvesse alguma intercorrência. No fim do século 19, os obstetras passaram a empreender campanhas para transformar o parto em um ato controlado por eles e ligado à maternidade. A partir desse período, o parto hospitalar se tornava uma prática comum. Em 1996, a Organização Mundial da Saúde (OMS), no intuito minimizar as práticas inapropriadas e desnecessárias ao parto, publicou o Manual Assistência ao Parto Normal, como referência para a implantação do parto humanizado nos serviços de saúde.
Os resultados da pesquisa de Allana demonstram que a reflexão sobre a assistência humanizada e a valorização dos sujeitos na prestação do cuidado produzem a oportunidade de ajudar a parturiente em sua autonomia e capacidade de vivenciar a realidade com a responsabilidade compartilhada, além da criação de vínculos e participação coletiva. A pesquisa, que será publicada em revista especializada, traz, como recomendações para profissionais da saúde, a valorização da experiência humana, no sentido da assistência à mulher e à família como centro do processo de atenção e cuidado. “Essa forma de cuidar se enraíza na espiritualidade, usando a compaixão e a empatia, ao reconhecer que, embora a vida possa apresentar-se limitada ou não socialmente produtiva, permanece repleta de possibilidades”, conclui a pesquisadora.